Bem sei, bem sei
que existia nessas orações
um surdo desespero,
violência terrível
que vinha dessa maldita
necessidade de sentido,
que vinha desse limite
contra o qual me desfazia
e na verdade
nunca me fazia,
que vinha da imprevisível
miséria deste corpo
e da falta de certeza
quanto ao juízo moral.
Tu não eras perfeitamente
desconhecido
porque via-te
no mundo vivo
e tão visível que admiro,
mas não te encontrava
quando queria pensar-te
e nisso estava o meu medo,
não a falta de fé,
mas o medo que um vento
desfizesse em bocados
todas as coisas que amava,
porque isso já aconteceu,
porque isso já aconteceu,
se ao menos tivesses falado comigo,
assim como falaste a Caim,
dizendo: «O que fizeste?…»
e então me tivesses dito
que crimes justificavam
tanta dor e desastre
na vida que tu criaste,
porque foi isso que me oprimiu,
foi isso, meu deus, foi isso
que desde sempre me oprimiu,
esse grão de desespero
que se entalou no centro do corpo
e não desapareceu,
nem se esqueceu,
e que foi pensar na criança
que nasce para a dor,
no cume da inocência
e no esplendor
de uma tão pura transparência
assim, na mais viva alegria
desta existência,
custou-me mais que o infinito,
custou-me mais que não ter
princípio ou fim
o mundo ou o tempo
que pensamos
e não houve qualquer espécie
de filosofia que me consolasse,
entretanto, deus, por isso,
talvez um dia, nem que seja
para depois de morta,
poder perceber alguma coisa
daquilo que me atormentou,
ainda que seja terrível,
por enquanto inspira-me, Deus,
porque este pensamento
sempre me dilacerou, e tu sabes,
por ele a minha vida
encheu-se de contradições.
encheu-se de contradições.