XIV


Bem sei, bem sei

que existia nessas orações

um surdo desespero,

violência terrível

que vinha dessa maldita

necessidade de sentido,

que vinha desse limite

contra o qual me desfazia

e na verdade

nunca me fazia,

que vinha da imprevisível

miséria deste corpo

e da falta de certeza

quanto ao juízo moral.

Tu não eras perfeitamente

desconhecido

porque via-te

no mundo vivo

e tão visível que admiro,

mas não te encontrava

quando queria pensar-te

e nisso estava o meu medo,

não a falta de fé,

mas o medo que um vento

desfizesse em bocados

todas as coisas que amava,

porque isso já aconteceu,

porque isso já aconteceu,

se ao menos tivesses falado comigo,

assim como falaste a Caim,

dizendo: «O que fizeste?…»

e então me tivesses dito

que crimes justificavam

tanta dor e desastre

na vida que tu criaste,

porque foi isso que me oprimiu,

foi isso, meu deus, foi isso

que desde sempre me oprimiu,

esse grão de desespero

que se entalou no centro do corpo

e não desapareceu,

nem se esqueceu,

e que foi pensar na criança

que nasce para a dor,

no cume da inocência

e no esplendor

de uma tão pura transparência

assim, na mais viva alegria

desta existência, 

custou-me mais que o infinito,

custou-me mais que não ter

princípio ou fim

o mundo ou o tempo

que pensamos

e não houve qualquer espécie

de filosofia que me consolasse,

entretanto, deus, por isso,

talvez um dia, nem que seja

para depois de morta,

poder perceber alguma coisa

daquilo que me atormentou,

ainda que seja terrível,

por enquanto inspira-me, Deus,

porque este pensamento

sempre me dilacerou, e tu sabes,

por ele a minha vida

encheu-se de contradições.