XIII


E porque não tinha outro nome e tudo o que sabia de ti

era o mundo que aparecia e diante de cuja beleza deslizava,

embora permanecesse de pé, chamava-te deus e dizia essa palavra

como se fosse dita pela primeira vez.

Não sabia se estava contigo, nem sabia se estava em ti,

e muito menos sabia se estava diante de ti,

não se tratava de um estado, muito menos de um facto,

meu Deus, agora, trata-se de uma ligação.

E dizia deus incompreensível, dizia deus desejado,

dizia: Deus, que fazes do meu pensamento um ser alado,

um ser leve e diáfano, suspenso de asas, sobre nuvens elevado,

tu, o mais alto objecto do meu desejo, dizia-te imperfeitamente

porque precisava de te chamar, precisava de te falar,

porque não podia fazê-lo de outro modo e porque

até quando via a minúscula joaninha, vermelha e simétrica,

levemente metalizada, tão elegante e perfeita na sua cor sarapintada,

até mesmo nesse momento não conseguia impedir-me de espontaneamente pensar

no poder que a tinha formado, e no poder que a sustinha, intacta,

no meio deste turbilhão insólito que parece ser o movimento da matéria,

e sentia com toda a clareza que estava diante ti, embora não pudesse explicá-lo,

nem pudesse sequer pensá-lo, é certo, mas não conseguia deixar de imaginar

que eras o vórtice da força abstracta a partir do qual as nebulosas se equilibram,

ponto cristalino, linha de velocidade e toda a vida impensável,

embora testemunhável, esse plano inenarrável onde espantosamente

os seres persistem, estranha matéria inclassificável diante da qual

toda e qualquer análise se paralisa, ou então talvez o próprio vazio que gira

no interior do átomo, esse infindável vazio no qual estrelas e planetas 

deslizam fixamente e em que os homens se erguem, fora do meu pensamento, sim,

mas dentro da emoção que sinto quando vejo um malmequer,

ou uma luz, uma inclinação, certas cores que brilham na noite transparente,

uma criança.

 

E embora o meu coração e a cabeça, é verdade, parecessem dois titãs

que se esmagavam entre si, alternadamente, o certo é que também eu,

tal como tu, me escapava do meu coração, como da minha cabeça,

pois não era coração, nem cabeça, nem estômago, nem pernas,

nem pés, nem mãos, nem sequer vísceras terríveis, invisíveis,

nesse conflito era quase pedra e pó, essa poeira leve e turva dos caminhos

com a qual parece que me fizeste, era até a mãe daquela outra criança

e as linhas das colinas que verdadeiramente ondulam, como o mar,

(porque por elas passava), e até o criminoso que fugiu e o mártir

que se entregou, e também era o ladrão que procurava esconder o rosto,

(sim, por medo, mais que por vergonha, é certo), e até essa mulher exilada

que caminhava, cheia de fome, carregada de água, entre uma multidão

que fugia de uma guerra que não lhe pertencia, e que até ao fim,

erguida nos pés, caminhou, até cair, e essa criança que fizeram explodir

em nome de uma loucura a que chamaram fé, mas ela nem sentiu,

pois era até um único pé, e tudo o que fosse tão diferente, tão díspar,

esse único pé que por acaso ficou da escultura grega em ruínas,

e lá está, esse pé - ó riso, ó dor inextinguível!… Astronauta que via a terra

como um berlinde, pois de tão longe parecia que era o carreiro de mil formigas

e as nuvens que se desvaneciam, dourado escaravelho,

libélula irisada, verde gafanhoto e brônzeo louva-a-deus,

e nesse momento também era aquele ser totalmente à parte,

e de toda a parte, tão absolutamente que já nem faz sentido

dizer que já não é ou que nem nunca chegou a ser,

miríade de tão brilhantes partículas que na fronteira dos corpos

simplesmente se confundem, como névoa ou fumo fugaz,

espécie de velocidade ou movimento, não sei,

pura possibilidade, linha de fuga em que a vida não foge,

mas de um golpe se afirma, no centro da surpresa,

como fogo entre estrépito de mil faúlhas,

miríades de pontos ofuscantes com sua geometria impossível de fixar,

puro acontecimento, ou melhor,

efemeridade.