XII


Porque nessa altura,

nesses dias em que me perdia

insensivelmente e sem aviso,

nessa espécie de loucura,

nesses dias então

de surdo terror e desespero,

sozinha, experimentei rezar,

mas então não me ocorreu,

nem achei que fosse justo,

pedir qualquer coisa

para mim, sendo apenas eu

uma coisa entre as infinitas coisas

deste mundo. Nessa altura,

era como um náufrago

que estando sozinho numa ilha

começa a esculpir rostos

na casca das árvores

com uma pedra

para se manter lúcido

no meio da dor.

E todos os dias, nesses dias,

embora estivesse tão perdida

como alguém que caminhasse

num deserto, sem ver

o fim das dunas ondulantes,

mesmo assim me colocava

diante de ti, sob o que imaginava,

sem conseguir imaginar,

ser o teu testemunho.

Não sabia o que fazer,

mas todos os dias me levantava

do sítio onde tinha caído,

e estava diante de ti.

Falava contigo, de mãos unidas,

e não sei porquê, não sei,

não sei porquê,

entrelaçava os dedos

e todos os dias

me dirigia a ti,

mas não te pedia

absolutamente nada

como se fosse impensável

que tu me pudesses ouvir.

Às vezes era como

uma sonâmbula,

como um autómato,

apagava-me, mas continuava

em estranho movimento,

e mesmo assim,

no outro dia, quando acordava,

estava de novo diante de ti.

Penteava os meus cabelos

depois de lavar o rosto

e vestia as minhas roupas

e olhava-me no espelho,

estranhando estar inteira,

e nessa altura,

como esses cabelos

caíam às mãos cheias

e mesmo assim parecia

que os despenteavas com arte,

da mesma maneira,

e com a mesma arte,

com que despenteias

árvores e campos,

então quando olhava

para a minha cabeça

comecei a pensar,

hesitante: «És tu?...

És tu quem penteia

os meus cabelos?...»

e ao de leve,

começava a pensar:

«Se penteias

as searas

e dispersas o pó

que anda no ar,

porque não hás-de  

tocar em mim

e nos meus cabelos?...»

Mas não sabia como continuar

a pensar nisso nem como

semelhante coisa pudesse

corresponder à verdade.

Agradecia-te ver as cores,

de pé, pois não imaginava,

de joelhos, dirigir-me a ti,

não sabia porquê,

mas não fazia sentido,

também isso me ensinaram,

tal como as mãos, mas o orgulho

e o desafio com que existia

não se compadeciam

dessa resignação.

Simplesmente de manhã

experimentava rezar de mãos unidas, 

porque de manhã,

quando me dirigia a ti,

era um simples ser humano

que só desejava

invocar a tua protecção

do fundo da sua fé

e da sua fragilidade,

assim como da consciência dela,

e não sei porquê, unia as duas mãos

como se fossem uma,

e não sei porquê,

mas era isso que fazia

quando começava o novo dia.