XXXV


É verdade que a partir daí passei a olhar para as árvores

como exemplos dos quais podia retirar uma lição,

ou uma inspiração. Plátanos, ciprestes, oliveiras,

pinheiros, aurocárias, choupos, cedros, eucaliptos...

Contemplei-os durante horas infinitas,

como coisas de Deus, coisas que talvez pudesse imitar.

Será que existe alguma forma de vida mais pacífica do que essa,

a da natureza que tão suave e imperceptível floresce?

Elas nem sequer perturbam coisa nenhuma,

quanto mais diminuem ou causam dano a algum ser vivo.

Erguem-se no ar enquanto o tronco e as raízes as sustentam

e são exactamente como um hino, uma acção de graças.

Expandem-se em ramos, folhas e frutos e fluem

silenciosas e discretas com as estações,

como se dançassem, e às vezes fazem flores

e dão frutos coloridos que são deliciosos e doces.

Nós os homens plantamo-las nas margens das ruas

para que nos façam companhia e as cidades

não se transformem em labirintos opressivos de betão,

por isso, pergunto, como pode um simples ser humano

ser assim tão generoso e tão bom?

XXXIV

 
Certa tarde li num livro sobre casos de pessoas

que conversavam com Deus, sem que ele falasse

com elas aos gritos, como às vezes acontece na Bíblia,

e sem que dele se pudesse sequer dizer que tinha uma voz,

mas essas pessoas faziam perguntas, pediam orientação

e ajuda, esperavam pela resposta e a sua resposta,

no momento oportuno, acabava por chegar.

Na altura considerei isto uma coisa interessante

e decidi experimentar, pensando: «Porque não?...»

E então o que fiz foi unir as mãos, com toda a seriedade,

fechar os olhos, baixar a cabeça e concentrar-me,

e como sempre perguntei: «Ouves-me, Deus?...»

Nunca tinha feito nada de parecido, mas disse:

«Deus, vou fazer-te uma pergunta

e vou esperar que me respondas. Vou tentar não pensar.

Vou ficar em silêncio e esperar.»

E enchi-me de coragem e perguntei:

«Diz-me, Deus, qual é o meu papel?...»

E deixei-me estar, sem pensar em nada,

completamente quieta, até que comecei a rir.

Era um riso que vinha do nada, como quem diz:

«Realmente, precisas de estar sempre a olhar para o chão,

para saber onde pões os pés?... Precisas de saber de antemão

como é o caminho todo, para começar a percorrê-lo?...

Ou precisas de um completo plano de acção para fazer

simplesmente o que está à tua frente para ser feito?...

Tu que precisas de reduzir os grandes números a percentagens,

para teres qualquer coisa de perceptível na imaginação,

já que um bilião de coisas deixa o teu sistema em curto circuito,

quanto mais o infinito, queres uma coisa tão grande como esta,

conhecer uma vida, quando da tua própria, grande parte já esqueceste?...»

Aliviada, percebi que a minha pergunta era absurda, e de novo perguntei:

«Como é que sei que estou a fazer o que está certo?...»

Porque não há listas de virtudes, nem manuais de boas maneiras,

nem aprovações ou elogios, nem códigos, nem legalidade que legitime

certas categorias de crimes, que apazigúem a minha cabeça

e o meu coração, relativamente às minhas dúvidas.

Talvez apenas Kant, mas faculta-me um difícil modelo,

uma lei muito difícil, quando levada até às últimas

consequências, e não uma inspiração.

Fiquei completamente em silêncio, à espera,

e esperei bastante tempo, imóvel,

sem que surgisse rigorosamente nada no meu pensamento.

«Não tens nada para me dizer?...» Foi o que pensei, por um segundo.

«Deus, como é que sei que estou a fazer o que está certo?...»

E então surgiu uma coisa no meu espírito, surpreendente,

totalmente surpreendente, completamente inesperada,

e essa coisa foi: «Olha para uma árvore e faz como ela faz.»

Nesse momento confesso que não pude evitar

sentir-me vagamente irritada,

porque aquilo era tão inesperado, e pensei:

«Olho para uma árvore e faço como ela faz?!...

Mas que raio de resposta!... O que é que uma árvore faz?...»

A nova resposta, porém, foi rápida como um tiro,

e deixou-me siderada, completamente parada,

como se tivesse sido atingida, porque já nem sequer estava

a perguntar, aquela pergunta já não era uma pergunta,

era uma reclamação, porque estava a começar a ficar zangada,

estava a ficar sem paciência, por causa deste meu feitio

indomável e caprichoso, e a resposta era,

a resposta simplesmente era:

«Floresce.»