XXXVIII


Um dia de manhã ao sair do carro

carregada de compras, parada de pé

sob a luz suave que se coava dos plátanos,

nessa transparência verde diáfano

que vibrava, intensa e alegre,

como um foco, senti de súbito

esta espécie de presença

que atravessa as coisas -

sem que se distinga delas,

esta força delicada e amorosa

que parece suster intactas

as várias vidas: gente, relva,

árvores, flores, casas, carros... 

e de repente... já não tinha nada para fazer.

Tirar a mala do carro, as compras...

Olhava para as copas luminosas e vibrantes

das múltiplas folhas transparentes

e pensava apenas,

com uma clareza que me abalava:

«Existo exactamente para ver-te

tal como te vejo, plátano.

Danças e vibras e falas-me,

como se fosses alguém

muito familiar e muito antigo,

e parece que me tocas,

sem que me abraces,

pelo contrário, plátano,

ambos nos expandimos,

como se irradiássemos,

e é possível, de facto é possível

que irradiemos realmente

alguma espécie de luz conjunta,

estando assim um entre o outro,

neste bocado de mundo.»

De súbito, sinto

com uma clareza absoluta

que existo para ver estas coisas

tal como as vejo: exactamente.

E é assim mesmo.

Existo para que o resto das coisas

me aconteçam assim no olhar,

tal como aparecem, com esta definição exacta...

esta precisão notável e visível.

Como se houvesse uma medalha

(que não pode andar solta),

e nós fôssemos o fio

(esse fio que a liga).