Um dia de manhã ao sair do carro
carregada de compras, parada de pé
sob a luz suave que se coava dos
plátanos,
nessa transparência verde diáfano
que vibrava, intensa e alegre,
como um foco, senti de súbito
esta espécie de presença
que atravessa as coisas -
sem que se distinga delas,
esta força delicada e amorosa
que parece suster intactas
as várias vidas: gente, relva,
árvores, flores, casas,
carros...
e de repente... já não tinha nada
para fazer.
Tirar a mala do carro, as
compras...
Olhava para as copas luminosas e
vibrantes
das múltiplas folhas transparentes
e pensava apenas,
com uma clareza que me abalava:
«Existo exactamente para ver-te
tal como te vejo, plátano.
Danças e vibras e falas-me,
como se fosses alguém
muito familiar e muito antigo,
e parece que me tocas,
sem que me abraces,
pelo contrário, plátano,
ambos nos expandimos,
como se irradiássemos,
e é possível, de facto é possível
que irradiemos realmente
alguma espécie de luz conjunta,
estando assim um entre o outro,
neste bocado de mundo.»
De súbito, sinto
com uma clareza absoluta
que existo para ver estas coisas
tal como as vejo: exactamente.
E é assim mesmo.
Existo para que o resto das coisas
me aconteçam assim no olhar,
tal como aparecem, com esta
definição exacta...
esta precisão notável e visível.
Como se houvesse uma medalha
(que não pode andar solta),
e nós fôssemos o fio
(esse fio que a liga).