XXXVII


Houve quem perguntasse porquê, tendo sido nós

dotados desta aspiração a uma coisa maior,

desta fome de Deus, deste querer saber mais

do que a razão permite, tendo sido nós

ocupados por esta indagação do sentido

do que possa ser realmente bom, nas nossas vidas,

então porque é que a natureza nos privou

dessa inteira lucidez que seria a visão

de todos esses mundos, e da justiça e da bondade

deste deus a que o coração aspira, mas não alcança.

O mesmo homem tão verdadeiro, tão lúcido,

tão determinado e compassivo, que tal pergunta

enunciou, teve também a coragem de propor uma resposta,

perguntando, então, se continuássemos a ser humanos,

e com uma tal sabedoria, tal, que nem podemos

sequer imaginá-la, então, o que seríamos?

Seríamos de tal forma absolutamente obedientes,

desde o início das nossas vidas, mas não por esperança,

não por dever, não por experiência, não por rendição,

não por amor ao Deus da nossa mais íntima inspiração,

contudo, desconhecido, e aí então seríamos como fantoches,

meros mecanismos de um teatro em que todos nós

gesticularíamos tão perfeitamente bem, mas sem

que vida alguma, nessas perfeitas figuras,

fosse possível vislumbrar. Onde estaria então

esse outro dom, este intocável do inesperado

com que somos lançados neste mundo?...

Por tudo isto, e porque também não é provável que possa

realmente apertar-lhe as mãos nesse mundo dos mortos,

quero deixar aqui estas palavras, aqui,

neste mundo de vivos, como que gravadas

em lápide, porque enquanto as conservar, vivas,

dentro de mim e do meu coração, sei que é

absolutamente impossível que alguma vez volte

a sentir-me assim tão só, tal foi a companhia e a alegria

que senti, quando li que «deste modo, portanto,

também poderá ser exacto o que nos ensina

suficientemente o estudo da natureza e do homem,

isto é: que a sabedoria impenetrável,

por meio da qual existimos, não é menos digna

de veneração por aquilo que nos negou,

do que por aquilo que nos concedeu.»