Do teu amor tenho um vislumbre
quando vejo a luminosa paisagem,
esta paisagem transparente,
suavemente colorida e musical,
com suas árvores radiantes
e o verde translúcido que canta,
de tão intenso que aparece,
e nela a vida vegetal, com essa
força
que a faz erguer-se nos ares,
explodindo
em pura luz, e a vida mineral,
cantando, com seus bocados de pedra
e partes de montanhas e colinas
e lotes de campos contrapostos
como blocos musicais, afirmação
vibrante e tão presente,
apresentada,
de uma particular sinfonia, e ainda
essa construtiva e afadigada vida
humana
que nas casinhas, na rede
eléctrica,
nos sinais de trânsito e nas linhas
fluentes
das estradas, se organiza e
persevera,
e quando vejo esta paisagem, eu,
que em tempos supliquei que me
apagasses
e nesta cor me dissolvesses, ou
dissipasses,
do teu amor, quando vejo esta
paisagem,
do teu amor agora tenho uma espécie
de vislumbre e sei que é verdade
que entre os infinitos seres que
aparecem
também eu participo deste estranho
equilíbrio,
também eu sou pedrinha no infinito
mosaico,
porque nem sequer a mim própria
inteiramente
me pertenço, e agora sei, finalmente
sei
que é nesta espécie de amor que
aconteço
e também que é neste estranho amor
que permaneço, tal como essa flor
que intacta permanece, entre o seu
aparecimento
e o seu desaparecimento, no meio do
turbilhão
e da turbulência que o próprio
universo
tem e parece que move, e assim,
diante da paisagem, com os olhos a
arder
e o coração a doer, desta emoção,
parece que é uma espécie de
arrependimento
esta gratidão que sinto por ter,
sem explicação, este vislumbre,
e por estar, diante desta
transparência,
por assim dizer, de olhos lavados,
e eu própria, de repente,
despojada,
como se tivesse nascido
uma segunda vez e esta afinal
é que fosse a primeira vez.