XLI


Do teu amor tenho um vislumbre

quando vejo a luminosa paisagem,

esta paisagem transparente,

suavemente colorida e musical,

com suas árvores radiantes

e o verde translúcido que canta,

de tão intenso que aparece,

e nela a vida vegetal, com essa força

que a faz erguer-se nos ares, explodindo

em pura luz, e a vida mineral,

cantando, com seus bocados de pedra

e partes de montanhas e colinas

e lotes de campos contrapostos

como blocos musicais, afirmação

vibrante e tão presente, apresentada,

de uma particular sinfonia, e ainda

essa construtiva e afadigada vida humana

que nas casinhas, na rede eléctrica,

nos sinais de trânsito e nas linhas fluentes

das estradas, se organiza e persevera,

e quando vejo esta paisagem, eu,

que em tempos supliquei que me apagasses

e nesta cor me dissolvesses, ou dissipasses,

do teu amor, quando vejo esta paisagem,

do teu amor agora tenho uma espécie

de vislumbre e sei que é verdade

que entre os infinitos seres que aparecem

também eu participo deste estranho equilíbrio,

também eu sou pedrinha no infinito mosaico,

porque nem sequer a mim própria inteiramente

me pertenço, e agora sei, finalmente sei

que é nesta espécie de amor que aconteço

e também que é neste estranho amor

que permaneço, tal como essa flor

que intacta permanece, entre o seu aparecimento

e o seu desaparecimento, no meio do turbilhão

e da turbulência que o próprio universo

tem e parece que move, e assim,

diante da paisagem, com os olhos a arder

e o coração a doer, desta emoção,

parece que é uma espécie de arrependimento

esta gratidão que sinto por ter,

sem explicação, este vislumbre,

e por estar, diante desta transparência,

por assim dizer, de olhos lavados,

e eu própria, de repente, despojada,

como se tivesse nascido

uma segunda vez e esta afinal

é que fosse a primeira vez.