XXIII


Porque há uma coisa em mim

que sabe exactamente

o que é ser pássaro

e voar, e voa com ele

quando o vê, tão livre

e tão leve, no azul brilhante

do céu que os dois envolve.

Ele flui com as asas abertas

em linhas invisíveis

de tensão e suspensão

e qualquer coisa em mim

sabe exactamente,

sem saber como,

o que é ganhar balanço

nesse rápido bater de asas,

nesse vivo impulso,

e depois deixar-se fluir

numa linha contínua,

que é por si própria,

na sua leveza absoluta,

uma espécie de infinito,

talvez uma inclassificável

participação de outra esfera,

como qualquer coisa

que está à beira de outra,

uma praia, ou uma franja,

voando no vento,

e a verdade, a verdade

é que essa coisa em mim

sabe perfeitamente e sem

qualquer espécie de dúvida

a precisa e peculiar diferença

que existe entre a intensidade

do batimento rítmico

com que o pássaro

se eleva nos ares,

em súbito esforço,

e essa tensão suave,

esse contínuo sensual

e diria: realmente infinito -

que é estar suspensa

numa linha de absoluta fluição.

Em sonhos verdadeiros,

enquanto durmo, no meu sono

também já aconteceu

que as pontas dos meus pés

se separassem

do chão e eu também

voei e sei o que isso é,

sem saber como

nem porquê.