É verdade que passei muito tempo,
muitas horas, muitos dias, Deus,
a pensar em ti e a negar-te,
não só porque não conseguia
pensar-te,
mas também quando reflectia neste
mundo
e na dor absurda, incompreensível,
que de um golpe derruba tantos seres
inocentes,
hordas de gente absurda, despida ou
endomingada,
mortos-vivos que às cegas caminham
no esplendor,
estranha raça de humanos, com seus
destroços e tiranos,
suas correntes absurdas de vaidades
e abjecções,
e sem perceber, é verdade, sem
perceber, nem sequer reparava
que assim agia, insana, como alguém
que pensasse
que um tão pobre juízo moral,
simplesmente humano,
e tão pequeno, dentro dos seus
limites
pudesse julgar semelhante grandeza,
tu, poder infinito
de quem estaria mais certo
dizer-se, ainda
que teoricamente possa estar tudo
errado,
como naquele salmo de David,
que assentaste a terra em colunas
bem firmes,
para que ela se mantivesse segura,
e que a cobriste
com o mar profundo, tapando as
montanhas,
e que enviaste a água pura das
nascentes,
para os rios brilhantes que correm
nos vales,
essa água de que bebem os homens e
os animais,
e em que matam a sede os veados dos
montes,
e em cujas margens fazem ninho as
aves do céu,
chilreando, no meio da folhagem,
muito leves.
Porque, se nem mesmo de uma banal
trave de aço,
que hoje sabemos formada por
minúsculos e invisíveis
corpos em movimento, que giram em
torno uns dos outros
numa velocidade incrível e segundo
leis precisas,
se nem mesmo desta coisa simples
podemos afirmar
com completa segurança que a
conhecemos,
quanto mais deste universo que a
luz estelar atravessa,
veloz, poderei eu imaginar a
dimensão, o sentido,
o princípio e o fim, e quanto mais
ainda quanto à justiça
do destino invisível que sofre a
vida e o corpo
de tantos seres vivos que
persistem, como a poderei julgar?
Se parar para reflectir na dimensão
desta terra imensa
que em torno do sol incandescente
gira, bem rápida,
sem que tudo o que está nela se
desequilibre ou caia no espaço,
no meio de tantas galáxias, muito
brancas e brilhantes,
que entre si se entrelaçam,
girando, com suas estrelas,
também morrendo e nascendo, como
seres vivos,
arremessando e devorando os
planetas,
se reflectir na dimensão desta terra
multicolor,
que no meio das infinitas nebulosas
não chega sequer
a ser um ínfimo grão de pó, sendo
para mim incompleta,
e impossível de conhecer, como
poderei então continuar
a querer pensar que em tudo isto
não te encontras tu,
força impensável e poderosa, sem a
qual esta vida
simplesmente provém do nada, nada
significa,
nada justifica e a nada conduz?