XVIII


É verdade que passei muito tempo,

muitas horas, muitos dias, Deus,

a pensar em ti e a negar-te,

não só porque não conseguia pensar-te,

mas também quando reflectia neste mundo

e na dor absurda, incompreensível,

que de um golpe derruba tantos seres inocentes,

hordas de gente absurda, despida ou endomingada,

mortos-vivos que às cegas caminham no esplendor,

estranha raça de humanos, com seus destroços e tiranos,

suas correntes absurdas de vaidades e abjecções,

e sem perceber, é verdade, sem perceber, nem sequer reparava

que assim agia, insana, como alguém que pensasse

que um tão pobre juízo moral, simplesmente humano,

e tão pequeno, dentro dos seus limites

pudesse julgar semelhante grandeza, tu, poder infinito

de quem estaria mais certo dizer-se, ainda

que teoricamente possa estar tudo errado,

como naquele salmo de David,

que assentaste a terra em colunas bem firmes,

para que ela se mantivesse segura, e que a cobriste

com o mar profundo, tapando as montanhas,

e que enviaste a água pura das nascentes,

para os rios brilhantes que correm nos vales,

essa água de que bebem os homens e os animais,

e em que matam a sede os veados dos montes,

e em cujas margens fazem ninho as aves do céu,

chilreando, no meio da folhagem, muito leves.

 

Porque, se nem mesmo de uma banal trave de aço,

que hoje sabemos formada por minúsculos e invisíveis

corpos em movimento, que giram em torno uns dos outros

numa velocidade incrível e segundo leis precisas,

se nem mesmo desta coisa simples podemos afirmar

com completa segurança que a conhecemos,

quanto mais deste universo que a luz estelar atravessa,

veloz, poderei eu imaginar a dimensão, o sentido,

o princípio e o fim, e quanto mais ainda quanto à justiça

do destino invisível que sofre a vida e o corpo

de tantos seres vivos que persistem, como a poderei julgar?

Se parar para reflectir na dimensão desta terra imensa

que em torno do sol incandescente gira, bem rápida,

sem que tudo o que está nela se desequilibre ou caia no espaço,

no meio de tantas galáxias, muito brancas e brilhantes,

que entre si se entrelaçam, girando, com suas estrelas,

também morrendo e nascendo, como seres vivos,

arremessando e devorando os planetas,

se reflectir na dimensão desta terra multicolor,

que no meio das infinitas nebulosas não chega sequer

a ser um ínfimo grão de pó, sendo para mim incompleta,

e impossível de conhecer, como poderei então continuar

a querer pensar que em tudo isto não te encontras tu,

força impensável e poderosa, sem a qual esta vida

simplesmente provém do nada, nada significa,

nada justifica e a nada conduz?