Em certos momentos, confesso -
por dentro é como uma fábrica
em que as máquinas aterradoras
se movem com vida própria
e são demasiado grandes e
perigosas,
na sua força e complexidade,
para a dimensão que realmente
tenho,
neste mundo.
Por vezes até parece
que sou apenas, suave,
essa alegre e simples borboleta
que por acaso aí tenha entrado,
esvoaçando entre a percussão e o
triturar
desse hipnótico e espantoso
movimento rítmico - e por aí
dançando,
em leve e peculiar sintonia
com toda essa infernal maquinaria,
se eleva e suspende com o trinado
do seu errático movimento.
Noutros momentos, porém, quase
negros
e de uma voragem terrível, é
verdade
que sinto ser a própria carne
que é esmagada pelo avanço
imparável
dessa intensidade incompreensível -
e é como se no interior desse
edifício
se deslocasse um buraco negro,
uma vertigem, ou um vórtice
que fosse a própria aresta do caos.
Nestes momentos, confesso
que ainda sinto, súbita,
aquela antiga necessidade de
morrer,
e também me questiono, pois,
se até um instrumento
musical,
como um piano, protejo da luz
do sol
e das diferenças de temperatura,
para que a madeira não estale
e a afinação da cordas não se
ressinta,
como conseguirei, afinal, tão
frágil
e tão vulnerável, aparentemente,
pelo menos, feita de nervos, de
pele,
de ossos, de carne e de sangue,
como conseguirei afinal resistir ou
suportar
o excesso desta espécie de
violência,
ou então encontrar essa
elasticidade,
essa peculiar flexibilidade para me
deslocar
entre estes limites, e mesmo assim
permanecer inteira?...
A única coisa
que se afigura como certa
é que não poderá ser esta matéria,
esta, precisamente a que tenho,
mas por força maior terei de
encontrar
a maneira de me fazer de outra
coisa,
de uma outra consistência, ou
maleabilidade,
na qual este movimento, ou espécie
de violência,
ao invés de destruir, possa fluir.