XXIV


Em certos momentos, confesso -

por dentro é como uma fábrica

em que as máquinas aterradoras

se movem com vida própria

e são demasiado grandes e perigosas,

na sua força e complexidade,

para a dimensão que realmente tenho,

neste mundo.

 

Por vezes até parece

que sou apenas, suave,

essa alegre e simples borboleta

que por acaso aí tenha entrado,

esvoaçando entre a percussão e o triturar

desse hipnótico e espantoso

movimento rítmico - e por aí dançando,

em leve e peculiar sintonia

com toda essa infernal maquinaria,

se eleva e suspende com o trinado

do seu errático movimento.

 

Noutros momentos, porém, quase negros

e de uma voragem terrível, é verdade

que sinto ser a própria carne

que é esmagada pelo avanço imparável

dessa intensidade incompreensível -

e é como se no interior desse edifício

se deslocasse um buraco negro,

uma vertigem, ou um vórtice

que fosse a própria aresta do caos.

 

Nestes momentos, confesso

que ainda sinto, súbita,

aquela antiga necessidade de morrer,

e também me questiono, pois,

se até um instrumento musical,

como um piano, protejo da luz do sol

e das diferenças de temperatura,

para que a madeira não estale

e a afinação da cordas não se ressinta,

como conseguirei, afinal, tão frágil

e tão vulnerável, aparentemente,

pelo menos, feita de nervos, de pele,

de ossos, de carne e de sangue,

como conseguirei afinal resistir ou suportar

o excesso desta espécie de violência,

ou então encontrar essa elasticidade,

essa peculiar flexibilidade para me deslocar

entre estes limites, e mesmo assim

permanecer inteira?...

 

A única coisa

que se afigura como certa

é que não poderá ser esta matéria,

esta, precisamente a que tenho,

mas por força maior terei de encontrar

a maneira de me fazer de outra coisa,

de uma outra consistência, ou maleabilidade,

na qual este movimento, ou espécie de violência,

ao invés de destruir, possa fluir.