V


Porque eu quero ser um pintor e ali,

na beira daquele caminho, naquela curva,

precisamente, colocar uma tela e pintar,

ou seja, pintar exactamente o que vejo

estando ali sentada diante da tela,

na paisagem comigo em mim,

ou comigo nela, com aquelas linhas

que nos campos me atravessam,

cantando, e na sua geométrica irregularidade,

me absorvem, me concentram e me entreabrem.

Porque o verde que então misturasse,

fazendo girar o pincel, seria só a continuação

da linha que no campo, fluiria da minha mão.

Pois não há mais buxos, nem arbustos,

nos traços infinitamente suaves

que dividem as hortas, nem há sulcos negros

rasgando a terra acabada de semear,

não há lotes de terreno contrapostos,

em diferentes cores, como peças de lego,

nem há essas ínfimas casinhas brancas

com seus telhados brilhantes,

ou linhas de choupos, dividindo propriedades,

que faço com uma espátula, premindo o óleo em pasta,

já não há levíssimos caminhos de areias serpenteantes,

nem pedras amontoadas, aqui e ali, inclinações,

uma colina, um vale e uma montanha.

Tudo o que há são linhas, que como trilos hesitam,

em irregular polifonia, música das múltiplas cores

que em mim cantam, e tantos verdes sem nome

que entre si ressoam, compondo o quadro.

Tudo o que há passou de ser cor para ser música,

traço composto para melodia contraposta,

som mudo e que ainda assim, estranhamente,

é silêncio que dança,

(...)

esta cor que canta.