Quando era ainda bem pequena
e tinha três ou quatro anos, a
minha mãe,
no tempo frio, tinha o hábito de me
envolver numa manta,
antes de me deitar na cama, e ela
enrolava
essa manta bem apertada em torno do
meu corpo,
como se eu fosse um daqueles bebés
russos
enfaixados e metidos dentro de um
cestinho,
tão bem enrolados, que nem se
podiam mexer.
Depois ajoelhava-se aos pés da
minha cama
e envolvia as minhas pequenas mãos,
unidas,
dentro das suas, e rezava comigo:
«Pai nosso,
que estais no céu...» «Avé Maria,
cheia de graça...»
E por fim, a única oração
que meu espírito de criança
percebia:
«Anjinho da Guarda, minha doce
companhia,
guardai-me de noite e de dia.»
E lembro-me bem de adormecer tão
alegre
naquele mimo, e de me imaginar aninhada
dentro das asas fofas desse
anjinho,
tal como o filhote cangurú
na bolsa da mãe cangurú,
e talvez por isso, ainda criança,
mas mais crescida, mesmo sozinha,
sempre rezava, antes de me deitar,
essas três orações, mesmo as duas
primeiras
sendo como canções em língua
estrangeira,
qualquer coisa que imitava,
sem compreender, e no fim terminava
com uma coisa da minha invenção,
que era mandar beijinhos
para as pessoas que não estavam
comigo,
como se deus fosse, na minha
imaginação infantil,
alguma espécie de correio, e nas
férias,
beijinhos à mãe, ao pai, ao avô, à
avó,
e no que pensava, para adormecer,
era nessas pequenas coisas
que me tinham dado especial
alegria,
um banho de mar, um lanche de
crepes,
uma brincadeira com amigos que
fosse
particularmente divertida e
inspirada...
porque era tão pequena, nessa
altura,
e tão alegre, e hoje gostava, mas
não sei como
abraçar de novo essa criança tão
simples
e que nas suas orações não se
lembrava
sequer de um único pedido, mas
apenas de amar,
e à sua maneira muito própria,
de agradecer.