Certa noite, vinha de carro, a
guiar,
e parei num sinal vermelho.
De um lado estava o mar
com os navios de carga iluminados
como diademas de brilhantes
à entrada do rio, parados
naquela escuridão transparente,
que sempre me fascina e desafia,
e do outro lado havia uma rua
iluminada por postes de luz branca,
levemente inclinada e que subia,
ladeada de pequenas casas,
e no início dessa rua,
uma bomba de gasolina
já um pouco decadente
no meio do alcatrão e do cimento
e com um velho néon de cores
transparentes e ácidas.
Era para esse lado que olhava,
para a bomba de
gasolina
e para as linhas dançantes
que compunham as luzes brancas
e ácidas dos paralelepípedos
que eram os néons, e para as letras
que compunham as palavras
e que estavam iluminadas,
meros logotipos e anúncios
que não tinham nada de especial,
pelo contrário, poderia até
dizer-se que eram feios,
de um certo ponto de vista,
mas de repente fui ali atingida
por uma emoção peculiar
e tão forte que o que queria
era ficar para sempre ali parada
e que o sinal vermelho
já não mudasse para verde.
«Deus, afinal,
não me leves tão depressa,
porque não quero despedir-me ainda,
nem daqui, nem deste mundo.»
Pois era como se aquela emoção
tivesse feito de mim um cristal,
e queria ficar sempre ali,
imóvel, parada,
naquele colorido que vibrava
e dançava e parecia que cantava,
essa espécie peculiar de alegria,
transparente e vibrante,
mas estava deveras intrigada,
intrigada porque já tinha
ali passado muitas vezes,
sem nunca sentir nada
de semelhante diante
desse quadro imperceptível.
«De certeza não serei
apenas eu, cruzada neste ângulo,
com este bocado de mundo...
Não sou só eu, minúscula,
a ver no carro parada
uma perspectiva insignificante.»
E tudo o que me ocorria pensar,
como se tocasse na margem
de algo mais, tocando
com a ponta dos dedos,
mas sem poder ir mais além,
da mesma forma que alguém,
no limite do corpo se esticando,
pratica um movimento de torção
e quer, mas não consegue,
dobrar-se ainda mais, tudo
o que me ocorria pensar era:
«Será que és tu, Deus,
quem espreita agora,
agora mesmo,
pelos meus olhos e sente
com o meu coração?...»