Porque eu quero ser um pintor e
ali,
na beira daquele caminho, naquela
curva,
precisamente, colocar uma tela e
pintar,
ou seja, pintar exactamente o que
vejo
estando ali sentada diante da tela,
na paisagem comigo em mim,
ou comigo nela, com aquelas linhas
que nos campos me atravessam,
cantando, e na sua geométrica
irregularidade,
me absorvem, me concentram e me
entreabrem.
Porque o verde que então misturasse,
fazendo girar o pincel, seria só a
continuação
da linha que no campo, fluiria da
minha mão.
Pois não há mais buxos, nem
arbustos,
nos traços infinitamente suaves
que dividem as hortas, nem há
sulcos negros
rasgando a terra acabada de semear,
não há lotes de terreno
contrapostos,
em diferentes cores, como peças de lego,
nem há essas ínfimas casinhas
brancas
com seus telhados brilhantes,
ou linhas de choupos, dividindo
propriedades,
que faço com uma espátula, premindo
o óleo em pasta,
já não há levíssimos caminhos de
areias serpenteantes,
nem pedras amontoadas, aqui e ali,
inclinações,
uma colina, um vale e uma montanha.
Tudo o que há são linhas, que como
trilos hesitam,
em irregular polifonia, música das
múltiplas cores
que em mim cantam, e tantos verdes
sem nome
que entre si ressoam, compondo o
quadro.
Tudo o que há passou de ser cor
para ser música,
traço composto para melodia
contraposta,
som mudo e que ainda assim,
estranhamente,
é silêncio que dança,
(...)
esta cor que canta.