No fim da alameda de ciprestes que
se estende,
com suas areias brancas, ao longo
dos campos cultivados,
no fim da alameda de ciprestes
ergue-se o terraço
em tijoleira muito gasta que está
defronte da sala principal,
esta sala onde Maria do Mar dispôs
a mesa antiga
e onde se agitam, nas altas
paredes, os frescos debotados
que terão sido a glória de outros
tempos, mas que agora,
como um puzzle, é preciso
completar com certa imaginação
por causa dos lugares em que as
cores se apagaram.
Logo no início, perto das altas
janelas que dão para o terraço,
ergue-se uma pequena árvore e à sua
sombra,
encostadas uma à outra, em afável
intimidade,
duas raparigas sorriem e conversam,
entre o rosa e o azul
dos seus delicados vestidos.
Ficamos por ali, olhando
e continuando em pensamento essa
imaginária conversa
que decerto é sobre os rapazes que
adiante, no meio de um lago,
remam num pequeno barco, parecendo
muito alegres.
Já na outra parede, quebrada por
duas altas portas duplas,
com suas velhas bandeiras
envidraçadas, mas já
sem os vidros, surge a clara imagem
da mesa do piquenique,
com flores espalhadas sobre a
toalha, entre o pão
e os jarros abaulados e as diversas
frutas, ainda apelativas
nas suas cores incompletas e
debotadas.
Atrás uma camponesa avança, camisa
em desalinho,
saia muito larga coberta com um
branco avental
e um cesto sobre a cabeça, absorvida
no destino
de uma séria tarefa, para nós
desconhecida,
talvez colocar qualquer coisa em
cima da mesa branca,
pedaços de pão ou cachos de uvas,
não sabemos.
Rodando suavemente o pescoço e
girando sobre o corpo,
depois da segunda porta, na terceira
parede,
aí podemos ver, no outro extremo da
sala,
no meio de um grande espaço em que
o estuque caiu,
levando consigo as alegres imagens,
entre duas silvas
repletas de amoras, podemos ver um
grupo de três crianças
muito entretidas e que brincam, mas
enquanto uma delas,
absorvida no seu pião, se volta
para nós, distraída,
as outras duas, bem agachadas em
torno do seu jogo invisível
estão de costas para nós, com seus
rostos bem escondidos,
e despertam na nossa imaginação,
surpreendentemente,
toda a infância, essa infância do
tempo infinito,
da confiante tranquilidade e dos
gestos intermináveis,
essa infância de uma outra paz, de
uma outra vida,
e que se desenrolava em perfeita
segurança,
na transparente alegria de existir
e num outro tempo sem tempo.