Porque esse notável tormento, essa
dor de existir e de pensar como quem cai,
esse desespero de não encontrar no
grito a dimensão necessária,
ou na vida a velocidade suficiente,
e mesmo essa pressa excessiva
e quase urgente de morrer, a
violência da paixão que já não podia
senão destruir, tudo isso, um dia,
disse a mim própria, determinada,
que havia de conduzir, reduzir,
condensar, fazer refluir,
com nova disciplina e discreta,
implacável, mas suave
austeridade, a uma particular
delicadeza atómica, infinitesimal,
e depois ao fio de ouro que seria
da espessura de um cabelo,
esse fio discreto que quase
imperceptivelmente circula
na luz de um tecido brocado, minha
mortalha,
meu cadeado, veste hierática, minha
roupa pintada,
tecido real de que o pintor fez
quadro, impensável
capricho de um bordado, verso que
hás-de ser corpo, vai,
mostra tu como se faz de excesso e
violência a tranquila grandeza
do templo em ruínas, com suas
brancas colunas e imóvel frontão,
pedra sobre pedra, essas pedras
cortadas, do solo arrancadas,
por mãos carregadas, pedras que
como gritos do deserto emergem,
gritos mudos, gritos imóveis,
gritos parados,
gritos como poemas - ou gritos como
quadros.