Certa tarde li num livro sobre
casos de pessoas
que conversavam com Deus, sem que
ele falasse
com elas aos gritos, como às vezes
acontece na Bíblia,
e sem que dele se pudesse sequer
dizer que tinha uma voz,
mas essas pessoas faziam perguntas,
pediam orientação
e ajuda, esperavam pela resposta e
a sua resposta,
no momento oportuno, acabava por
chegar.
Na altura considerei isto uma coisa
interessante
e decidi experimentar, pensando:
«Porque não?...»
E então o que fiz foi unir as mãos,
com toda a seriedade,
fechar os olhos, baixar a cabeça e
concentrar-me,
e como sempre perguntei: «Ouves-me,
Deus?...»
Nunca tinha feito nada de parecido,
mas disse:
«Deus, vou fazer-te uma pergunta
e vou esperar que me respondas. Vou
tentar não pensar.
Vou ficar em silêncio e esperar.»
E enchi-me de coragem e perguntei:
«Diz-me, Deus, qual é o meu
papel?...»
E deixei-me estar, sem pensar em
nada,
completamente quieta, até que
comecei a rir.
Era um riso que vinha do nada, como
quem diz:
«Realmente, precisas de estar
sempre a olhar para o chão,
para saber onde pões os pés?...
Precisas de saber de antemão
como é o caminho todo, para começar
a percorrê-lo?...
Ou precisas de um completo plano de
acção para fazer
simplesmente o que está à tua
frente para ser feito?...
Tu que precisas de reduzir os
grandes números a percentagens,
para teres qualquer coisa de
perceptível na imaginação,
já que um bilião de coisas deixa o
teu sistema em curto circuito,
quanto mais o infinito, queres uma
coisa tão grande como esta,
conhecer uma vida, quando da tua
própria, grande parte já esqueceste?...»
Aliviada, percebi que a minha
pergunta era absurda, e de novo perguntei:
«Como é que sei que estou a fazer o
que está certo?...»
Porque não há listas de virtudes,
nem manuais de boas maneiras,
nem aprovações ou elogios, nem
códigos, nem legalidade que legitime
certas categorias de crimes, que
apazigúem a minha cabeça
e o meu coração, relativamente às
minhas dúvidas.
Talvez apenas Kant, mas faculta-me
um difícil modelo,
uma lei muito difícil, quando
levada até às últimas
consequências, e não uma
inspiração.
Fiquei completamente em silêncio, à
espera,
e esperei bastante tempo, imóvel,
sem que surgisse rigorosamente nada
no meu pensamento.
«Não tens nada para me dizer?...»
Foi o que pensei, por um segundo.
«Deus, como é que sei que estou a
fazer o que está certo?...»
E então surgiu uma coisa no meu
espírito, surpreendente,
totalmente surpreendente,
completamente inesperada,
e essa coisa foi: «Olha para uma
árvore e faz como ela faz.»
Nesse momento confesso que não pude
evitar
sentir-me vagamente irritada,
porque aquilo era tão inesperado, e
pensei:
«Olho para uma árvore e faço como
ela faz?!...
Mas que raio de resposta!... O que
é que uma árvore faz?...»
A nova resposta, porém, foi rápida
como um tiro,
e deixou-me siderada, completamente
parada,
como se tivesse sido atingida,
porque já nem sequer estava
a perguntar, aquela pergunta já não
era uma pergunta,
era uma reclamação, porque estava a
começar a ficar zangada,
estava a ficar sem paciência, por
causa deste meu feitio
indomável e caprichoso, e a
resposta era,
a resposta simplesmente era:
«Floresce.»